segunda-feira, 5 de abril de 2010

IT Victim IV

O Palm apitou logo cedo. Era aniversário do meu pai. 14 de janeiro. Como passou rápido! A verdade é que não nos falamos direito desde o Natal. Mas vou até lá. Faço questão. Peço desculpas e levo um presente.

Estou trabalhando em casa. E confesso que adoro esta história de home based. Faço meu horário. Almoço em casa. Não pego trânsito. Minha chefe me segue o dia inteiro. Me chama no Nextel às oito horas da manhã. Vê se estou conectada. Videoconferência. Celular. Messenger. Email. Twitter. SMS. Perseguição! Meu marido fala que é paranóia minha. Mas ela só para quando me liga da casa dela, pra perguntar se já resolvi aquele último probleminha.

Tive que dar um jeitinho. Meu pai dorme com as galinhas! “Alô, chefinha? Vou buscar um material na gráfica. Não demoro. Pode deixar que eu levo o celular, sim. Está bem, levo o rádio. O notebook? Levo também. Claro que ligo quando chegar.” Vaca.

Fui para o carro carregando toda a minha parafernália. Programei o GPS e liguei o piloto automático. O meu. Não consegui prestar atenção no caminho. Fiquei lembrando do Natal. Meu pai estava lindo. Ainda tinha o porte de promotor público. Aposentou. Ombros retos. Calça social com duas pregas, que acabara de buscar no alfaiate. Sapato italiano de pelica. Camisa de linho. Ele mesmo tinha se encarregado de todos os detalhes. Peru enorme. Árvore de natal. A minha mãe me cutucou: “Coloca os presentes embaixo da árvore.” Enquanto isso o Bruninho tentava arrancar um festão que emoldurava a janela.

Exatamente à meia-noite, nos cumprimentamos. O Bruninho entregou o presente do meu pai. Ele corou. Os olhos lacrimejaram. Só até abrir o embrulho. “O que é isso?” “Uma máquina digital, pai.” “Minha filha, gastando um dinheirão com essas bobagens?” “Bobagens? O senhor sabe quantas fotos cabem na memória dessa máquina? Mais de mil!” “E pra quê tudo isso? Basta um filme de 36 poses bem tiradas!” “Filme? Isso não existe mais.” Meu marido me segurou pelo braço. Papai continuou. “Eu tenho a melhor máquina fotográfica que existe, minha Leica.” “Isto está ultrapassado, pai!” Continuou sem me ouvir: “Além do mais adoro ir ao centro da cidade, ali atrás do Mappin, na Rua Conselheiro Crispiniano. Compro meu filme profissional, depois mando revelar. É um ritual.” “Mappin! Mappin!” E ele prosseguiu, impávido: “Com essas modernidades, ver fotos virou tortura. Um bando de cabeças apinhadas na frente de uma tela. Três horas seguidas de fotos de qualquer coisa, até de tampa de bueiro. Quem agüenta?” Fiquei calada. Ele não parou: “Hoje, qualquer pessoa, qualquer paisagem, qualquer coisa fica bonita depois da foto ser violentada por computador. Cartier-Bresson deve estar se revirando no túmulo! E aqui em casa não tem onde passar essas coisas.” Olhei para a minha mãe. Nervosa. “Eu ia dar um laptop para a senhora continuar datilografando seu poemas, aí é só colocar as fotos e...” Mamãe caiu sentada no sofá, passando mal: “Minha Olivetti nãããããããõooooooo!!!!!!”

Estacionei em frente ao portão. Minha mãe veio abrir o cadeado. “Não está trabalhando hoje, filha?” Expliquei. Não comentou. Soube depois que ela disse para o papai que achava que eu tinha sido demitida. Subi rápido no sobradinho. Dei um grande beijo no velho. Pedi desculpas. Entreguei-lhe um pacote: “Meias, filha! Estava mesmo precisando.” Me abraçou, sincero.

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